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terça-feira, agosto 24, 2004
Meus amores,
Como ando mais ocupado do que orelhão quebrado (aquele, que a gente liga sem precisar do cartão), estou reeditando, a partir de hoje, alguns posts do passado, principalmente de quando essa coisa toda começou. Espero que me perdoem a impertinência, mas espero muito mais que gostem. Sempre que postar algo de antes, aviso.
O bar do Jóia
Se algum louco me pedisse pra bancar o repórter e, se eu tivesse que fazer uma reportagem sobre o "Café e Bar Rio Paiva", acho que seria mais ou menos assim:
Paro na porta e espio o cardápio do dia na tabuleta negra, cortesia de uma fábrica de bebidas: "Carne de panela com tutu - R$ 7,00". "Dobradinha à moda - R$ 7,00"; "Filé de peixe com arroz e purê - R$ 7,00"; "Paio na manteiga - R$ 7,00"(...).
Entre algumas possibilidades de pedido, decido entrar e resolver-me, já devidamente acomodado numa das enormes mesas do lugar. Um claro sinal de que alí, a preocupação em encher a casa sacrificando o conforto do freguês simplesmente não existe. Olho de novo a tabuleta e pasmo com o menu do dia seguinte: "Amanhã: Coisas". Simplesmente o máximo. Descubro que a comida, por conta de um negra simpaticíssima, é simples e saborosa, típica de um bom botequim, coisa rara, no Rio de hoje. Será que a negra bonita é a esposa do Jóia? A música não rola, é conduzida: Mozart, Bach, Beethoven, Thelleman, ou os nacionais Villa Lobos, Radamés, Lourenzo Fernandez ou Mignone, são íntimos da casa. Aliás, do sobrado, de arquitetura da virada do século dezenove. Ali as coisas são tão antigas e originais, que até o velho balcão em mármore, apesar de reformado, é absolutamente original. Não há nada velho, apenas antigo. Antigo no tempo, do tempo em que era moderno ser antigo; do tempo do retrato de família na parede, com expressões da juventude antiga. Um cartaz de Coca-Cola "família" (do tempo que ainda havia ambas), estranhamente, convive bem com outros tantos, de filmes nacionais e chamadas diversas; delatam a passagem de gentes das artes por ali. Outras artes também andaram fazendo moçoilas exibidas cujas fotos, digamos, descontraídas, migraram - misteriosa e diretamente - de revistas masculinas para o mural do Jóia. Um outro aviso informa que, em algum tempo, a casa receberá nova pintura. Desde que conheço a casa que o aviso está lá, necessitando ser repintado. "78 anos de vida, 65 de Bar Rio Paiva" - lembra o velho "Jóia" sem muito esforço. Curioso, fico perguntando coisas (distraído, que é pra disfarçar). Talvez fingindo ser enganado, ele vai falando, animado. A expressão de alguma reverência pela minha presença só existe porque sou um ilustre desconhecido. Entre os que chegam, logo aparece um amigo e ele então se solta, travesso. Depressa, divide uma cerveja gelada com o freguês, agora convidado. E se o felizardo for botafoguense, sei não. É bem capaz de ter redução na despesa. De graça, não, "que eu não tenho filho dessa idade", resmunga. Teimoso, pergunto se Jóia é sobrenome ou apelido. - É de nascença - diz. - Aliás, é de antes de nascer, quando minha madrinha jurada, dizia, acariciando o ventre de minha mãe: "Comadre, cuide bem dessa jóia que você traz aí; esse menino ainda vai te dar muito orgulho..." Bem, eu não sei qual o orgulho que o Jóia deu pra mãe, mas dá pra notar que, por aqui, todo mundo morre de orgulho de ser amigo dele.
Aqui e ali, uma ou outra tabuleta, onde se lê: Bar do Jóia, Boteco do Jóia, Jóia's Bar... Parece até que o velho "Rio Paiva" adota um nome para o gosto de cada freguês. Talvez por isso o lugar exiba um singelo diploma concedido por uma suspeitíssima "Confederação Gastronômica Internacional", pelo título de "O melhor boteco do Mundo". Mas eu ainda acho que estão tentando enganar o velho Jóia: O Bar Rio Paiva é, sem dúvida, o melhor botequim de todo o universo...
Café e Bar Rio Paiva - Rua da Conceição esquina com Júlia Lopes de Almeida (por trás do Colégio Pedro II da Av. Mal. Floriano, centro do Rio).
*Thimóteo Rosas foi chefe de manutenção da Biblioteca Pública do Rio, antes de se aposentar com o vigoroso salário de R$ 420,00 e jamais seria dublê de repórter, porque ele não é besta.
Conta-se que certo dia apareceu no Rio Paiva, uma jornalista de um grande jornal e que queria fazer uma reportagem sobre o inusitado bar. A moça e seu fotógrafo, foram gentilmente descartados do local , com o Jóia caladão, sem responder a uma só pergunta da pobre coitada. Um segredo: se o Thimóteo quiser, pode tirar uma ou outra foto, que o Jóia deixa. Mas, só isso.
ViaOral [+] ::
Se medicaram:
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