Via Oral


Um blog sobre textos, aforismos, arte, literatura, arquitetura, humanismo e outras coisas para as quais ninguém dá a mínima. Escrito em encenado nas poucas horas vagas que a atividade de ADA (Arquiteto Doméstico Administrador) permite.
Um espaço perfeitamente adequado à muita conversa fiada, mentiras acreditáveis, ranhetices, rupturas, causos, crônicas e, sobretudo, área disponível aos amigos, uma turma cheia de gaiatices mas que eu adoro.
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sexta-feira, setembro 10, 2004

O casamento do meu pior inimigo

Eu não estou disponível. Não mais, ou nunca estive, não sei. Tenho uma família, uma maravilhosa companheira-mãe-esposa-mulher, uma cama aquecida e o mais importante: tenho amor a isso tudo. Mas, não foi sempre assim. Nem acho que será sempre assim, mas vou cultivar o que tenho, para que tudo continue o máximo de tempo assim.
Falar aqui, num espaço público, sobre minha vida pessoal, ou sobre o que é minha relação em família, não é fácil. Mas é necessário, enormemente necessário.

Aqui, poucos sabem de mim. E os poucos que sabem, não precisam sentir-se honrados, porque eu não sou significativo o suficiente para honrar alguém com minhas historinhas comuns, meus draminhas de novela, minhas insuficiências emocionais. Os poucos que sabem de mim, que se sintam eles apenas meus amigos; pois para isso são feitos, forjados e moldados, os amigos.
Algumas vezes estive por separar-me de minha mulher, dos meus filhos, de mim. E nalgumas oportunidades conseguimos vencer essa tentação, com a prática política do "deixa pra lá", do "já passou", do "já esqueci". Até que, da última vez, concluímos que a relação havia chegado realmente ao fim; que as almas não mais ardiam sob um mesmo sentimento e que a relação não era como uma velinha colorida de aniversário, a inflamr-se espontânea e automaticamente, só pra gente cantar outra vez, ou quantos fossem os seus re-acendimentos. Assim, alinhavamos tudo, sem data, mas com a certeza de ter sido essa a melhor decisão.

Os primeiros dias passaram, e a inicial sensação de "alívio", de "livre, afinal", ou a velha reação do "que se fôda", foram se dissipando. Em seu lugar, começou o florescer de um imenso sentimento de frustração, de decepção pela incompetência com a qual lidamos com nossas dificuldades, uma grande impressão de que estávamos tomando o caminho mais fácil, uma vergonha por tal "covardia". Bateu a saudade de tempos idos, dos sorrisos largos, da cumplicidade esquecida; lembranças ainda vivas daquilo que cultivamos, contrastantes com a intenção mórbida de estocar, pela raiz, todos os pés de esperança e de sonhos, destruindo uma plantação inteira de pequenas realizações que semeamos em mais de doze anos de vida a dois. Não, eu não poderia permitir que isso acontecesse: não assim, perdendo tudo isso sem luta, entregando de volta à vida, tudo aquilo que dela arrancamos e que nos custou tanto... Não seria o justo.

Nos dias que se seguiram, propus que não deixássemos de nos beijar, na chegada ou na saída. Era um hábito antigo que demonstrava afeto verdadeiro, o qual não precisaríamos perder. Também antes de dormir, reativamos os "selinhos amigos". Passei a dormir no mesmo horário que ela, "assassinando" a televisão da sala, esquecendo os filmes do canal pago, meu antigo companheiro das noites. Na cama, antes de virarmos um para cada lado, um pouco de conversa. Trocava eu assim, o canal da tv pelo do diálogo, há tanto esquecido. Os carinhos, de timidamente permitidos no início, passaram a ser desejados. A tv morreu, a distância se encurtou a um só corpo e aos poucos, aquilo que julgávamos quase findo, brotou vivo, pulsante, intenso. As conversas mudaram de rumo, os olhares se viram mais ternos, a idéia de começarmos alguma coisa se acendeu. Diferente da retomada de um atalho perdido, agora parece surgir em nossa vida, alguma coisa nova e estranha, tão surpreendente quanto já foi, quando nos conhecemos. Parecemos outras pessoas, começando uma outra existência, em corpos diáfanos. Talvez estejamos mais parecidos com o que somos (e não sabemos).

Não sei onde esse caminho vai dar. Mas é um novo itinerário, a passagem a um novo nível do jogo, e que, em cada momento vivido, mais distante se vê do "game over". E é isso que desejo dividir com vocês, essa experiência, tão surpreendente e rica, que me dá a certeza de dizer que sempre vale a pena pensar nas possibilidades de corrigir o rumo, antes de jogarmo-nos, nós ao mar, e a nau aos rochedos.

Aos que me lêem, uma sugestão, se lhes couber: tirem a tv do quarto e coloquem um jarro de flores no lugar; ou um espelho, ou ainda - melhor - implantem uma foto de ambos, sorrindo. Depois, dispam o pijama da vida, ponham-na para andar de braços dados com a fantasia. Durmam juntos, conversem, reclamem, cobrem e não desistam. Aprendi isso tudo, observando atentamente o casamento do meu pior inimigo, alguém que, afinal, era eu mesmo.

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