Via Oral


Um blog sobre textos, aforismos, arte, literatura, arquitetura, humanismo e outras coisas para as quais ninguém dá a mínima. Escrito em encenado nas poucas horas vagas que a atividade de ADA (Arquiteto Doméstico Administrador) permite.
Um espaço perfeitamente adequado à muita conversa fiada, mentiras acreditáveis, ranhetices, rupturas, causos, crônicas e, sobretudo, área disponível aos amigos, uma turma cheia de gaiatices mas que eu adoro.
:: consulta marcada com Via Oral :: bloghome | mande sua receita ::
on-line http://
Dosagem recomendada
trembom
Prosa&verso
Dois lados
Blog kálido
In the sun
Uma pulg@ na net
Tudo sobre florestas
Studio medusa
Rindo de nervoso
Maré
Alexandre Cruz
Manoel Carlos
Patolinus
Palavras Tortas
Toshi( in memorian)
Mariazinha
Maria
Mariza
Cores de Gloria
100%chongas
Links
Rede SACI
Mais receitas
Outubro - 2004
Setembro - 2004
Agosto - 2004
Julho - 2004

domingo, novembro 28, 2004

Minha amiga e escritora, Marcela, do blog Maré, grávida de oito meses e vinte e oito dias, enviou-me, meses atrás, um texto magnífico de Leonel Moura, intitulado "Homens-Lixo". Marcela ficou conhecida na blogosfera por sua postura de diferenciada no universo dos deficientes, ao qual pertence desde certa idade. Está mais do que na hora, no entanto, de ser ela reconhecida como a escritora talentosa que é, cuja consciência social explica e justifica a sugestão que me foi encaminhada.
Marcela Vaz agora saberá que esse texto foi base de um trabalho em nossa pequena comunidade espírita, cuja instalação recebeu elogios de todos. Aqueles que participaram do evento agradecem-na, comovidos, pela oportunidade preciosa que o simples repasse de uma mensagem eletrônica lhes proporcionou. Percebemos que um carinho, sem nenhuma pretensão maior, pode conduzir-nos muito, muito longe, para confins inimagináveis rumo ao nosso desenvolvimento humano.

Abaixo, o trecho que me foi enviado. Leiam-no com atenção. São palavras graves, absolutamente prenhes de verdades incômodas e para as quais não poderíamos ter conduzido a melhor uso. O texto completo, disponibilizado na Net, pode ser acessado pelo endereço anotado no fim da mensagem. Façam bom proveito.

Os homens-lixo - Leonel Moura.

Na visão das antigas colônias de leprosos, encontramos uma insuportável imagem da miséria humana, figuras envolvidas em trapos empapados de sangue, proscritos do convívio em comum e atirados para um lado qualquer, longe de tudo e desde logo da vida digna.Ocupando uma parcela do território, reconhecido, mas escondido da vista e da moralidade pública, o leproso realiza idealmente o programa do imaginário abjeto. Pois nele se conjuga a dupla condenação: a da natureza na decomposição do corpo vivo, e a da humanidade, na recusa da pertença social.Mas hoje a colônia dos leprosos ocupa praticamente o globo inteiro, nessa nova espécie de homem que se encontra mais perto do lixo do que de uma qualquer condição humana.Verdadeiros homens-lixo, que vivem dentro de esgotos e se alimentam de detritos nos depósitos municipais - numa descida às mais negras profundezas do asco e da inumanidade, ilustram o quotidiano de todas as cidades do planeta e fazem de cada novo êxito científico, econômico, cultural ou pessoal, um detalhe patético num cenário de uma crise irremediável.Tudo o que era limite, da decência, da dignidade, da doença, da loucura, do abandono, já foi há muito ultrapassado nas grandes urbes do nosso mundo e nesses campos de refugiados que invadem as orlas e os desertos.E, nesta celebrada incapacidade de solucionar a desumanidade vigente, todos nós, cada um à sua maneira, vamo-nos transformando em homens-lixo, na perda da última camada do ser que nos faz humanos.Para a sociedade contemporânea, a exclusão é vista como catástrofe natural. Epidemia que atinge uns e aparentemente poupa outros, numa seleção devedora das crenças, mais do que da condição social. Os excluídos constituem uma intromissão visual nascida diretamente da contingência.
Como uma chuva que cai quando lhe apetece, servem à precariedade da existência. E aos olhos das vidas correntes, apresentam-se como símbolos, ruínas, deficiências, a caminho de um estatuto não-humano. São entidades supérfluas, cuja única utilidade é de natureza exemplar, animando o destino dos homens-correntes e a tênue alegria das vidas remediadas.Sem pertença, política e social, não há humanidade. A exclusão resulta antes de tudo numa expulsão da própria condição humana, na banição irremediável, à rota da leprosaria.Vita sanctorum socialis est, dizia Santo Agostinho. Fora da pertença nada de humano existe. Não há humanidade, sem comunidade.A experiência da exclusão não é transitória, nem resulta de uma suspensão momentânea ou sobressalto acidental. A exclusão é a condição definitiva de um ser atirado para um lugar exterior à vida comum. Só se sai dela com um renascimento.O excluído é na verdade um pária, um estrangeiro sem país de origem, um leproso condenado ao ostracismo. Sem retorno.Porque o eu se define na relação com os outros num espaço comum, a exclusão torna alguém estrangeiro de si mesmo. O homem-lixo já não se reconhece como humano e entende-se como obstáculo do progresso de todos. Mendiga a dupla necessidade. A do estômago e a da culpa, pedindo o pão e o perdão.Daí a surpreendente falta de raiva dos mendigos. Não lutam pela vida, mas pela sobrevivência. Não reivindicam a pertença, mas tão só a permanência.
(Excertos de Os homens-lixo, de Leonel Moura, Edições Fenda - Lisboa; texto integral online http://www.lxxl.pt/babel/biblioteca/lixo1.html na edição de outubro da Babel - revista eletrônica.)

ViaOral [+] :: Se medicaram:
...

This page is powered by Blogger. Isn't yours?