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quarta-feira, novembro 17, 2004
A outra questão
Antes de tudo, me desculpem. Desculpem pela desatualização do espaço, mas é que, para um arquiteto vivente no ócio do lar, quando pinta algum trabalho relevante, assim como a reforma de um banheiro na casa do motorista da vizinha, ele vai voando e esquece de tudo. Quase até dos amigos amados. Lei da sobrevivência, lei do cão, muito em voga nesse país.
Queria bem falar de uma coisa interessante que descobri, nas longas viagens que andei fazendo pra dentro de mim, quando estive em vias de bater às minhas costas a porta principal da casa arrastando malas em direção a lugar nenhum, que é pra onde se vai quando almas conhecidas se despedem, perdidas de si. Como muitos sabem, andei meio sem rumo com a idéia besta da separação, sugestão quase ordinária de Denise e que, fosse eu menos desobediente, a teria acolhido de chofre.
Noutro dia um amigo lamentou sua vida, numa leve menção à distância entre ele e sua companheira, aumentada pelas noites à frente da telinha, mal que aflige 9 entre 10 estros-homens da blogosfera.
Creio ser este um mal comum aos casais cansados, um première symptôme de que as coisas andam de mal a mais mal ainda, dans le mariage.
Somos sempre observados, nós os homens. As mulheres nos observam numa relação absolutamente inversa à atenção que dispensamos a elas. Isso, porquê nós não criamos nenhuma expectativa maior com relação à nossa companheira. Esperamos apenas que elas sejam boas esposas, boas donas-de-casa, ótimas mães (muitos de nós as temos como a continuação da relação materna original...). Quanto à nossa vida, as expectativas mais comuns são as do crescimento profissional e o conseqüente acúmulo de riquezas, a criação do filho homem nos padrões clássicos da masculinidade, o futebol, as cervejadas das sextas-feiras, o futebol, as mulheres do escritório, das ruas, dos vizinhos, dos amigos, o futebol, o carro novo, o computador, a televisão, o churrasco com os amigos (onde ela prepara tudo e ele acende o fogo, fica meia hora e volta à cervejas e aos amigos) e, como sempre, o futebol. A companheira, bem, essa recebe a mesma atenção que o último aspirador-de-pó comprado nas Casas Bahia e que veio com defeito.
Mas, elas nos observam enquanto somos tudo isso. Mulheres têm outras expectativas com relação aos seus homens. Esperam muito mais deles que o de simples provedores das necessidades básicas da família. Deixaram há muito de ser esposas profissionais, quando a sociedade assim permitiu. Transformaram-se em companheiras, com todas as exigências e prerrogativas do cargo e por isso nos prestam tanta atenção. Esperam que sejamos fiéis, amantes dedicados, observadores de seus cabelos, unhas, langeries, gestos e bocas; no entanto, nos desejam cegos à inexorável ação do tempo sobre seu semblante - a vaidade feminina está acima de qualquer julgamento dos mortais. Desejam beijos de boca e todos os outros; solicitam ser amadas de várias formas, mas sempre com delicadeza; clamam por respeito e pelo reconhecimento de suas outras qualidades, sejam estas quais forem: desde uma roupa bem passada, aos cuidados com os filhos ou a conduta na vice-presidência de uma grande empresa. Não importa em que patamar esteja, ela será sempre uma mulher a desejar a atenção do seu homem, traduzida em gestos simples, que apenas representem que ela é observada e amada.
Mas, como isso quase nunca ocorre, a mulher nos vigia e vê sempre o que não deseja na sua relação: o contrário, o lado oposto dos seus sonhos. E se decepciona e sofre muito. E aí, começa seu processo de aceitação da perda do sonho feminino, qual seja, o de ser feliz com o príncipe eleito, que, afinal, não era tão encantado assim. Nesse processo, ela acaba por matar as últimas réstias de esperança, definindo sua desistência da relação. Daí pra frente, ela apenas elabora o luto com antecedência; e na hora certa, comunica ao ex-consorte que a coisa toda acabou. Ele se desespera, xinga, grita, acusa-a de fria e desumana e demonstra claramente que não entendeu nada. Esse último ato de cegueira e intolerância equivale à pá de cal para que os restos da relação sejam devidamente desinfetados e não padeçam do mau-cheiro das agressões mútuas. Definitivamente, ele está morto e não sabe.
Mas, como no câncer, a prevenção é tudo. Antes de se chegar ao diagnóstico da irreversibilidade, um longo caminho pode e deve ser trilhado. É só um querer olhar pro outro com um pouco mais de atenção, que as imagens começam a aparecer. Mágoas, deslizes, decepções, intolerâncias, reclamos, angústias, medos, sofrimentos silenciosos, todos vão desaparecendo, vagarosamente, após cada conversa no jantar, cada diálogo na cama, cada desculpa aceita, após cada sorriso arrancado. Poucos homens me lêem, o que nesta hora é bastante lamentável. Hoje, eu acredito que toda relação é renovável. Não é o tempo que afasta as pessoas, mas sim o que se faz durante o tempo em que se está com as pessoas. Rotina boa não é rotina: é vida boa. Para recuperar a felicidade nas relações, não há milagre nem sonho. Carece apenas do desejo de viver, com a companheira, a vida como já se desejou, um dia.
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Se medicaram:
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