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domingo, dezembro 19, 2004
O cavalo do teatro
Fui assistir à dança da Flora, no Theatro Municipal, aqui em Niterói. Aos sete anos, postura e alma de bailarina, ela se delicia com a arte e a gente dá a maior força. E fomos lá, num espetáculo de quase duas horas ininterruptas.
Antes da abertura, um aviso: terminantemente proibido o uso de câmeras, flashes, filmadoras, cigarros, celulares, berros, uivos, ou seja lá o que for que atrapalhe o espetáculo, confunda os dançarinos, assuste as crianças.
Na minha frente, um cavalo, de um metro e noventa, é a barreira à minha visão. Puxa de uma câmera de vídeo parecida com uma AR-15 e manda ver, na "produção" da dança da filha. E quem atrás dele estivesse, que se danasse pra ver o palco. Mais ainda: não satisfeito, puxou de uma máquina fotográfica e disparou contra o palco, atingindo em cheio os dançarinos. Coitada da filha.
Desculpem os que as têm, as filmadoras, mas acho que fotografia é arte; filmadora doméstica é apenas tecnologia a serviço de quem, na maioria das vezes, não sabe bem o que fazer com aquilo e se torna inconveniente, como o tal cavalo na platéia. "Registro para a posteridade" - dizem alguns, que não percebem que fotografias têm um movimento maior e falam muito mais à alma, apenas porque atiçam a mente de quem as vê, que tenta supor o momento, e vivendo-o à sua maneira, sonha e transporta-se no próprio sonho. Mas, voltemos à peça. Horrível, como toda a apresentação de uma escola de balé. Mas minha filha estava lá, e eu também, prestigiando. O que não muda os fatos. A apresentação de uma escola de balé tem como finalidade o exercício de palco dos alunos. TODOS eles são convocados e desejam apresentar-se, exibir-se, narcisisticamente e naturalmente. É o "balé do crioulo doido", onde turmas misturadas não conseguem estabelecer um padrão técnico razoável, e cada um dança de um jeito todo próprio aquilo que deveria ser dançado de uma única forma. Mas, é absolutamente necessário que seja assim. É o fantástico mundo do aprendizado em que os sonhos dali, um dia, serão a realidade de muitos palcos pelo Brasil afora, às vezes até do mundo.
Na verdade, o espetáculo não era o balé, mas sim as expressões de felicidade de crianças, jovens e professores, num mundo difícil e mágico como é o da dança. Não importa se estão num espetáculo da companhia francesa Montalvo-Hervieu, ou na troupe canadense Cirque du Soleil - que, por sinal, tem duas dezenas de brasileiros no elenco de cerca de 600 artistas. O que vale mesmo é que eles estão num palco de teatro, seu habitat predileto. E nós, ali na frente, assistindo, temos a obrigação, o dever e o privilégio de aplaudi-los, a todos, pois a arte se faz apenas pelo reconhecimento daqueles que a produzem. Deveríamos ter também o direito de quebrar celulares, câmeras e vídeos de alguns quadrúpedes que teimam em entrar num Theatro, assim mesmo, com "th" do século dezenove. Mas, enfim, estamos no espírito natalino. Deve ter sido por isso que fiquei calado, não reclamei do tal. Mas em compensação, na hora em que ele estava filmando eu fechei os olhos. Não vi a dança da filha dele. Bem feito.
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sexta-feira, dezembro 10, 2004
O sapo-arquiteto
Estou assim, sem tempo, por conta de um pouco mais de trabalho. Arquiteto quando tem trabalho, vocês já sabem como é, não vive outra coisa. E blog, é outra coisa, que merece ser tratado com todo o carinho do mundo, porque recebe a atenção das pessoas queridas, a quem aprendemos a amar sem jamais tê-las visto, tendo a recíproca como a mais pura verdade. Ao contrário do que muita gente diz e pensa, o blog é uma relação concretíssima entre pessoas, entre o pensamento das pessoas, que é o que viaja no tempo, no espaço e fica pra sempre, diferentemente das pessoas. Mas, voltemos ao trabalho.
A profissão de arquiteto, admirada por tantos, romântica, idealizada, não tem nem de longe o glamour e a moleza que muita gente imagina. Lula Cardoso, um arquiteto cheio de bossa e a quem conheci há muitos anos, foi premiado em Paris por uma intervenção urbana de altíssima qualidade. De volta ao Brasil, acabou vendendo sua casa em São Conrado, por que não tinha dinheiro sequer para arcar com os custos de manutenção. Triste país esse, que ainda vive e valoriza uma arquitetura em "estilo colonial", sem sequer se dar conta do que isso significa.
Não soube mais do Lula. Espero que tenha voltado para a França.
Aí, uma amiga me conta uma piada de arquiteto, que diz mais ou menos assim:
Um pobre colega, após desagradar uma certa cliente (o que não é nada difícil, tão exigentes e intolerantes podem ser alguns clientes...), foi transformado em sapo. Vida úmida, coachando aqui e ali, até que se deparou com uma bela moça.
- Senhorita, falou ele, "sou um arquiteto encantado que foi transformado em sapo por uma cliente perversa. Mas, basta que me dês um beijo e voltarei a ser como antes. Em troca, serei teu para sempre, caso-me contigo e te serei eternamente fiel".
A moça gostou bem da idéia, pegou o sapo-arquiteto, colocou-o na bolsa, e foi aos seus afazeres. O sapo, ansioso, ficou apenas a observar, aguardando o momento do beijo salvador. Mas a moça nada, nem aí pro beijo, apesar do tempo passado desde o encontro. Ao que o bicho se manifestou:
- Querida, e o meu beijo, aquele que me libertará e me colocará para sempre ao teu lado, por quê não o tenho logo?
E disse ela:
- É que, pensando melhor, acho que ganharei muito mais dinheiro tendo um sapo que fala, que um marido arquiteto...
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