Via Oral


Um blog sobre textos, aforismos, arte, literatura, arquitetura, humanismo e outras coisas para as quais ninguém dá a mínima. Escrito em encenado nas poucas horas vagas que a atividade de ADA (Arquiteto Doméstico Administrador) permite.
Um espaço perfeitamente adequado à muita conversa fiada, mentiras acreditáveis, ranhetices, rupturas, causos, crônicas e, sobretudo, área disponível aos amigos, uma turma cheia de gaiatices mas que eu adoro.
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domingo, abril 03, 2005

Ah, se o Nilson fosse vivo...


Não, nada de falar da morte do Papa. Nós não éramos mesmo muito chegados. Ele nunca falou comigo, nem me telefonou ou mandou uma cartinha sequer... Um "Feliz Natal"? Nem pensar... Não vou falar da morte do Papa. Ele não falaria da minha; ou dos trinta infelizes assassinados pela insanidade de um grupo de idiotas hitlerizados que acham que a vida é... Bom, será que eles sabem mesmo o que é vida? Ah, deixa pra lá. Eu não vou falar da morte do Papa mesmo...

Mas, essa história me lembrou do Nilson, uma das figuraças da família Ramalho, emoldurado no mesmo álbum de Totó Ramalho (lembram?), nascido e "morrido" no subúrbio carioca do Méier.
Nilson era a gaiatice personificada. Marido de Socorro Ramalho, prima de grau primeiríssimo de minha mãe, foi apresentado no esplendor da juventude ao sisudíssimo velho Sindolfo, pai de Socorro, que não gostou nada do que viu. Seu Sindolfo era o campeão laureado dos torneios de "buraco" da família. Seu Sindolfo não suportava a derrota. Quando perdia, não era apenas o jogo: perdia a cabeça, as estribeiras, a compostura e a razão. Seu Sindolfo perdia todo. Engraçadíssimo. Começava jogando com um enorme charuto na boca. Ao final, restava um chiclete quente e esfumaçante de tabaco. E o Nilson ria às suas costas por cada derrota. E ai dele se risse à frente. Deixemos seu Sindolfo, porém.

Nilson, o gaiato, trabalhava na revista Manchete, no seu auge. Sempre que surgia a oportunidade, enchia os pulmões para bradar, orgulhoso, um "eu trabalho na Manchete"... Os incautos pensavam que a revista só chegaria às bancas após o seu crivo, seu "de acordo" em todas as páginas recém saídas do prelo, regidas por um calhamaço de memorandos com reprimendas e recomendações. Talvez ele sonhasse com isso lá da sua seção, a Contabilidade Geral.

Cínico, debochado, alegre e divertido, vivia aprontando com o mundo. Cantava apenas em inglês. Duas músicas: "Yesterday" e "Only You". Only. Show man de subúrbio, esse The Platters do Méier, performático e irreverente, cantava até em enterro, se lhe dessem mole. Romântico, interpretava Only You com aquele olhar-de-peixe-morto pra Socorro, que logo escorria pela cadeira, de tão derretida. Eram mesmo apaixonados.

Mas, Nilson tinha lá seus pontos fracos e a turma dos cunhados não deixava passar. O cunhado Chico que o diga.
Incumbido de apanhar os pertences de um amigo recém-falecido, numa cidade próxima, Chico trouxera, numa bolsa, todo o legado do morto. Documentos, roupas, pequenos pertences e lembranças, e uma dentadura, verdadeiro tesouro para um plano maquiavélico: aprontar com o Nilson.
Um fim-de-semana de sol, com todos reunidos na casa-de-praia do Chico, em Rio das Ostras, foi o palco ideal para a comédia.
Feliz proprietário de uma reluzente dentadura, que classicamente pernoitava em um copo com água, Nilson acordou meio de ressaca da noite anterior, pegou sua prótese e escovou-a com carinho. Lavou daqui, esfregou dali, e enfiou na boca. Tentou encaixar, fez trejeitos, entortou o queixo e nada. Mordeu, forçou, mas nem assim. Acabou de acordar e foi ter à mesa, onde todos tomavam café. Arrancou aquele "teclado" da boca e tacou com força na mesa, brandindo pelo espaço vazio dos dentes:

- Essa porra não é minha!!!

Até hoje todos caem na gargalhada quando lembram...
E o Papa, que agora tá lá com Nilson, que se cuide. Vai ouvi-lo cantar "Yesterday", talvez até mesmo em dupla com Lennon...
O céu não é mais o mesmo.

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