Via Oral


Um blog sobre textos, aforismos, arte, literatura, arquitetura, humanismo e outras coisas para as quais ninguém dá a mínima. Escrito em encenado nas poucas horas vagas que a atividade de ADA (Arquiteto Doméstico Administrador) permite.
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segunda-feira, julho 04, 2005

Mais negros na minha vida.

Tenho sentido falta dos negros em minha vida. Não tenho mais um amigo negro, e os negros que admiro, apenas os vejo na mídia. Milton, Naná, Paulinho, Ruth de Souza, Milton - o Gonçalves, Zezé Mota, etc, etc, etc... Mas esses não valem.

Hoje encontrei o Neco, ex-marido da Maria, ex-empregada da minha ex-família, quase extinta em sua configuração original. Neco foi meu precioso auxiliar, no desvendar dos mistérios sexuais da empregada do vizinho. Isso, quando eu nem sabia que empregada de vizinho era, para um "eu" adolescente, a salvação das espinhas da cara. Velho amigo, aproximamo-nos mesmo quando meu pai levou o casal para São Paulo, em nosso retorno de Recife para o sul, isso lá pelos duros anos de 1970. Está velho, o Neco. Até parece que só quem envelhece são os outros, 35 anos depois... Mas, faltam-lhe os dentes, saúde, esperança afinal. O tempo foi o mesmo para ambos; a vida, definitivamente não.

Fico pensando em Morro Velho, a música de Milton Nascimento que fala da amizade de infância entre o menino branco, filho do patrão, e o negrinho empregado da fazenda. Nós somos eles, como os são outros tantos, que a história não consegue mudar e nem tampouco conseguimos, nós, mudar a história. Os negros pobres são sempre miseráveis, esquecidos. E não é por preconceito, isso não. É por descaso. Nós não temos preconceito de cor, já provamos isso. Este, nós substituímos por um outro, que atinge uma parcela muito maior desse país: o preconceito social. Não importa se o sujeito é preto ou branco. O que importa é se tem ou não dinheiro, ponte para a projeção social, que é, no fim de tudo, a carona que nos interessa. Quanto mais dinheiro, melhor; quanto mais dinheiro tiver, mais prestigiado, querido, bonito e educado será o gajo. O dinheiro nos faz realmente lindos.

E aí, é uma grande pena que pessoas tão interessantes quanto aquelas, que por força de suas próprias necessidades de sobrevivência mais valorizam as relações de amizade e parceria que outras de interesse, estejam tão distantes de nossas vidas. E nós, delas. Não temos mais os jardineiros, nem os entregadores de pão; nossas velhas empregadas não dormem mais em nossas casas, não mais fazem parte de nossa família. Até a lembrança do barulhento vira-lata, agora substituído por um peludo Poodle, atesta o distanciamento de uma sociedade que valorizava o que tinha, antes de cultuar o que desejava.

Nosso desejo de evidência, evidencia a forma como fomos levados a aumentar nossa miséria social: pelo descaso, pelo desprezo ao conteúdo, pela valorização excessiva da forma e do aspecto mais agradável de ensaiar a vida. Tolices. Inúteis e perigosas tolices. Nós, que esquecemos e desprezamos nossos negros e parceiros de ontem na caminhada mais singela da vida, estamos sendo esquecidos e desprezados por eles agora. Desvalorizamos a vida muito antes; e agora imploramos a eles, pobres, mizerentos, desesperançados e esquecidos, que não nos matem, que não nos violentem, que não droguem e não estuprem nossos filhos; lhes rogamos que não desfaçam, enfim, o que levamos anos para criar: uma sociedade baseada na exploração, no preconceito, no desrespeito e na vaidade, tudo às custas de um desumano abandono daqueles que, outrora, foram nossos companheiros de folguedos, brincadeiras, sonhos e esperanças de infância.

Nota: Ao me despedir do Neco, peguei um dinheiro na carteira e lhe entreguei, encomendando um serviço - a arrumação de coisas velhas no meu antigo quarto na casa. Senti sua clara emoção, oriunda (creio) muito mais da oportunidade de um afazer, que propriamente do dinheiro recebido. O prazer de ser remunerado por um trabalho, aliado à sensação de ainda ser útil, arrancou daqueles olhos negros, prestes a uma catarata, um brilho singelo, emocionante e sincero. Acho que tenho de volta um amigo negro em minha vida.

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