Via Oral


Um blog sobre textos, aforismos, arte, literatura, arquitetura, humanismo e outras coisas para as quais ninguém dá a mínima. Escrito em encenado nas poucas horas vagas que a atividade de ADA (Arquiteto Doméstico Administrador) permite.
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quinta-feira, junho 01, 2006

Pessoais, aí vai um texto que remete a outro, transcrito logo a seguir. Eles falam por si, de uma personagem curiosa e rara. Confiram.

De volta ao Bar do Jóia

Foi assim, meio sem querer, quase por um acidente que entrei no bar do Jóia, outro dia ao meio-dia, como se almoçar fosse. Queria saber dele, do velho Jóia, satisfazer a angústia natural de uma saudade relaxada, daquelas que só nos incomodam quando nos lembramos delas.

O bar estaria vazio, não fossem dois convivas aboletados numa das mesas próximas à entrada, cuja conversa se inundava em cerveja. O velho Jóia sentado, sem camisa, experimentava uma ?Antarctica? gelada, deixando à mostra o peito enrugado, como se ali a vida houvesse gravado um mapa, a denúncia explícita de onde tanto andara aquela alma. Havia um certo ar de ocaso, em tudo. Talvez seja assim que a decadência se revela, quando se tenta disfarçá-la.

Aos 90 anos, o bom Jóia me emociona. Seja pelo sofisticado gosto pela música clássica, que preenche aquele botequim (alguém aí, conhece algum botequim onde só se ouve música erudita?), seja pelo descaso com os cerimoniais que vida dos outros exige. Ou seja ainda pela sua impossibilidade de andar, de ficar em pé, sequer, por conta de uma artrose perversa. Contudo, ainda assim o Jóia leva a vida como se dela tivesse enorme crédito, quando nós a vivenciamos sempre em débito. Enquanto nossos sorrisos começam na boca, os dele nascem na alma. A gente ri para a vida; ele, gargalha dela. Uma preciosidade de homem, esse Jóia.

Mas, o bar vai mal. Noventa e sete anos de existência, sete a mais que o dono, sucumbe não apenas à modernidade, mas, também - e principalmente, ao tempo. Ele nos ensina que o tempo, esse sim, é o grande senhor de todas as verdades. E que talvez a verdade da hora seja a de que, em breve, aquele local só existirá em nossas lembranças. O Jóia fez sua parte: levou o velho Rio Paiva por mais de sete décadas, desde que herdou o lugar do pai. Eternizá-lo, se for o caso, é a tarefa dos que ficam.

De qualquer forma, ainda resta a esperança de que todos nós nos encontremos numa possível comemoração pelos 100 anos do Bar e Restaurante Rio Paiva. Mas, cá entre nós: centenário à parte, o Rio Paiva ainda é um senhor boteco...


O texto anterior, de agosto/2004:


O bar do Jóia
Por Thimóteo Rosas*

Se algum louco me pedisse pra bancar o repórter, e, se eu tivesse que fazer uma reportagem sobre o "Café e Bar Rio Paiva", acho que seria mais ou menos assim:

Paro na porta e espio o cardápio do dia, na tabuleta negra, cortesia de uma fábrica de bebidas:

"Carne de panela com tutu - R$ 7,00".
"Dobradinha à moda - R$ 7,00";
"Filé de peixe com arroz e purê - R$ 7,00";
"Paio na manteiga - R$ 7,00"(...).

Entre algumas possibilidades de pedido, decido entrar e resolver-me, já devidamente acomodado numa das enormes mesas do lugar. Um claro sinal de que alí, a preocupação em encher a casa sacrificando o conforto do freguês simplesmente não existe. Olho de novo a tabuleta e pasmo com o menu do dia seguinte: "Amanhã: Coisas". Simplesmente o máximo. Descubro que a comida, por conta de um negra simpaticíssima, é simples e saborosa, típica de um bom botequim, coisa rara, no Rio de hoje. Será que a negra bonita é a esposa do Jóia? A música não rola, é conduzida: Mozart, Bach, Beethoven, Thelleman, ou os nacionais Villa Lobos, Radamés, Lourenzo Fernandez ou Mignone, são íntimos da casa. Aliás, do sobrado, de arquitetura da virada do século dezenove. Ali as coisas são tão antigas e originais, que até o velho balcão em mármore, apesar de reformado, é absolutamente original. Não há nada velho, apenas antigo. Antigo no tempo, do tempo em que era moderno ser antigo; do tempo do retrato de família na parede, com expressões da juventude antiga. Um cartaz de Coca-Cola "família" (do tempo que ainda havia ambas), estranhamente, convive bem com outros tantos, de filmes nacionais e chamadas diversas; delatam a passagem de gentes das artes por ali. Outras artes também andaram fazendo moçoilas exibidas cujas fotos, digamos, descontraídas, migraram - misteriosa e diretamente - de revistas masculinas para o mural do Jóia. Um outro aviso informa que, em algum tempo, a casa receberá nova pintura. Desde que conheço a casa que o aviso está lá, necessitando ser repintado. "78 anos de vida, 65 de Bar Rio Paiva" - lembra o velho "Jóia" sem muito esforço. Curioso, fico perguntando coisas (distraído, que é pra disfarçar). Talvez fingindo ser enganado, ele vai falando, animado. A expressão de alguma reverência pela minha presença só existe porque sou um ilustre desconhecido. Entre os que chegam, logo aparece um amigo e ele então se solta, travesso. Depressa, divide uma cerveja gelada com o freguês, agora convidado. E se o felizardo for botafoguense, sei não. É bem capaz de ter redução na despesa. De graça, não, "que eu não tenho filho dessa idade", resmunga. Teimoso, pergunto se Jóia é sobrenome ou apelido. - É de nascença - diz. - Aliás, é de antes de nascer, quando minha madrinha jurada, dizia, acariciando o ventre de minha mãe: "Comadre, cuide bem dessa jóia que você traz aí; esse menino ainda vai te dar muito orgulho..." Bem, eu não sei qual o orgulho que o Jóia deu pra mãe, mas dá pra notar que, por aqui, todo mundo morre de orgulho de ser amigo dele.Aqui e ali, uma ou outra tabuleta, onde se lê: Bar do Jóia, Boteco do Jóia, Jóia's Bar... Parece até que o velho "Rio Paiva" adota um nome para o gosto de cada freguês. Talvez por isso o lugar exiba um singelo diploma concedido por uma suspeitíssima "Confederação Gastronômica Internacional", pelo título de "O melhor boteco do Mundo". Mas eu ainda acho que estão tentando enganar o velho Jóia: O Bar Rio Paiva é, sem dúvida, o melhor botequim de todo o universo...

Café e Bar Rio Paiva - Rua da Conceição esquina com Júlia Lopes de Almeida (por trás do Colégio Pedro II da Av. Mal. Floriano, centro do Rio).

*Thimóteo Rosas foi chefe de manutenção da Biblioteca Pública do Rio, antes de se aposentar com o vigoroso salário de R$ 420,00 e jamais seria dublê de repórter, porque ele não é besta. Conta-se que, certo dia, apareceu no Rio Paiva uma jornalista de um grande jornal, e que queria fazer uma reportagem sobre o inusitado bar. A moça e seu fotógrafo, foram gentilmente descartados do local , com o Jóia caladão, sem responder a uma só pergunta da pobre coitada. Um segredo: se o Thimóteo quiser, pode tirar uma ou outra foto, que o Jóia deixa. Mas, só isso.

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