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terça-feira, setembro 21, 2004
Vivendo e (re)aprendendo
Depois de mais uma semana de curso, numa enorme maratona de teorias, fórmulas e gráficos de toda ordem, estou de volta, ainda que meio entrevado na datilografia, mas ao menos com raciocínio lubrificado. Bem a propósito, aliás, já que o último post, sobre a redescoberta da minha relação de casado, excitou alguns do melhores corações e mentes de pessoas queridas, muitas delas em permanente conflito com seus pares, e que ora experimentam momentos de desânimo, desesperanças e tristezas.
Infelizmente, as fórmulas matemáticas estudadas em meus cursos não são aplicáveis às desditas dos amigos queridos. E nem há outras, decerto.
Em suas considerações, alguns são céticos quanto às possibilidades de que relações antigas possam revigorar-se por força da vontade dos seus companheiros; outros invejam, com aquele tipo de inveja boa, que torce para que tudo se ajeite e que dure para sempre e mais um mês. E há ainda os que tentam saber "como é que faz pra gente ser feliz", como na música, na certeza - claro - de que não há resposta a tal questão.
Sempre afirmei, sem muita originalidade, que o casamento é o melhor meio de se separar as pessoas. Meio e motivo, corrijo. Meio, por ser regido pelo sentido da posse, da subserviência, da interdependência desigual. É também motivo, porque nenhum casamento resiste a um meio tão perverso de co-existência. Nas relações humanas, a igualdade é um mito. No casamento, as ações de re-equilíbrio dos direitos e deveres de cada um têm sido as maiores responsáveis pelo imenso número de separações. Natural, já que quase sempre homens e mulheres divergem sobre o que cada um deve responder na relação, principalmente quando a paixão se reverte em razão, e esta, como sabemos, tem a péssima mania de espantar sonhos e fantasias. Como já disse, não há fórmulas.
Mas há ações. A atenção com pequenos detalhes da vida diária, um carinho num cruzamento de corredor, um elogio, um olhar mais terno, presentinhos, lembranças, bilhetes (ah, os bilhetes...), tudo pode ter um poder quase milagroso na redescoberta do(a) companheiro(a). O que v. acha que poderia acontecer com uma relação terminal, se um dos dois resolvesse levar o café matinal na cama, num despertar ensolarado de domingo? Eu não tenho a menor idéia, mas, se alguém sorrir, terá valido a pena.
Mas, não só o homem (o preferido, por sufrágio universal, como saco de pancadas dos analistas de comportamento), mas também a mulher - e muitas vezes, principalmente ela - tem prerrogativas muitíssimo especiais na recondução de ambos ao melhor dos convívios. Por sua maior sensibilidade e preparo emocional, lhe é muito mais fácil um gesto conciliador num momento crítico, que esperar isso do companheiro, mais dado às soluções truculentas, como sempre lhe foi sugerido pela vida. Ao mesmo tempo em que lhe afaga o ego, ela ministra-lhe um bom "puxão de orelhas" pela atitude indelicada. Se ele for um sujeito esperto, vai perceber o engano. Talvez não se manifeste de imediato, mas certamente sentirá o golpe. Um dia, cai.
Resta saber, no entanto, qual dos dois merece e precisa mais de tudo isso: se eles, preguiçosos, desatentos e relaxados; ou elas, cansadas, desiludidas e prestes a desistir. Talvez um olhar mútuo e carinhoso possa responder.
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sexta-feira, setembro 10, 2004
O casamento do meu pior inimigo
Eu não estou disponível. Não mais, ou nunca estive, não sei. Tenho uma família, uma maravilhosa companheira-mãe-esposa-mulher, uma cama aquecida e o mais importante: tenho amor a isso tudo. Mas, não foi sempre assim. Nem acho que será sempre assim, mas vou cultivar o que tenho, para que tudo continue o máximo de tempo assim.
Falar aqui, num espaço público, sobre minha vida pessoal, ou sobre o que é minha relação em família, não é fácil. Mas é necessário, enormemente necessário.
Aqui, poucos sabem de mim. E os poucos que sabem, não precisam sentir-se honrados, porque eu não sou significativo o suficiente para honrar alguém com minhas historinhas comuns, meus draminhas de novela, minhas insuficiências emocionais. Os poucos que sabem de mim, que se sintam eles apenas meus amigos; pois para isso são feitos, forjados e moldados, os amigos.
Algumas vezes estive por separar-me de minha mulher, dos meus filhos, de mim. E nalgumas oportunidades conseguimos vencer essa tentação, com a prática política do "deixa pra lá", do "já passou", do "já esqueci". Até que, da última vez, concluímos que a relação havia chegado realmente ao fim; que as almas não mais ardiam sob um mesmo sentimento e que a relação não era como uma velinha colorida de aniversário, a inflamr-se espontânea e automaticamente, só pra gente cantar outra vez, ou quantos fossem os seus re-acendimentos. Assim, alinhavamos tudo, sem data, mas com a certeza de ter sido essa a melhor decisão.
Os primeiros dias passaram, e a inicial sensação de "alívio", de "livre, afinal", ou a velha reação do "que se fôda", foram se dissipando. Em seu lugar, começou o florescer de um imenso sentimento de frustração, de decepção pela incompetência com a qual lidamos com nossas dificuldades, uma grande impressão de que estávamos tomando o caminho mais fácil, uma vergonha por tal "covardia". Bateu a saudade de tempos idos, dos sorrisos largos, da cumplicidade esquecida; lembranças ainda vivas daquilo que cultivamos, contrastantes com a intenção mórbida de estocar, pela raiz, todos os pés de esperança e de sonhos, destruindo uma plantação inteira de pequenas realizações que semeamos em mais de doze anos de vida a dois. Não, eu não poderia permitir que isso acontecesse: não assim, perdendo tudo isso sem luta, entregando de volta à vida, tudo aquilo que dela arrancamos e que nos custou tanto... Não seria o justo.
Nos dias que se seguiram, propus que não deixássemos de nos beijar, na chegada ou na saída. Era um hábito antigo que demonstrava afeto verdadeiro, o qual não precisaríamos perder. Também antes de dormir, reativamos os "selinhos amigos". Passei a dormir no mesmo horário que ela, "assassinando" a televisão da sala, esquecendo os filmes do canal pago, meu antigo companheiro das noites. Na cama, antes de virarmos um para cada lado, um pouco de conversa. Trocava eu assim, o canal da tv pelo do diálogo, há tanto esquecido. Os carinhos, de timidamente permitidos no início, passaram a ser desejados. A tv morreu, a distância se encurtou a um só corpo e aos poucos, aquilo que julgávamos quase findo, brotou vivo, pulsante, intenso. As conversas mudaram de rumo, os olhares se viram mais ternos, a idéia de começarmos alguma coisa se acendeu. Diferente da retomada de um atalho perdido, agora parece surgir em nossa vida, alguma coisa nova e estranha, tão surpreendente quanto já foi, quando nos conhecemos. Parecemos outras pessoas, começando uma outra existência, em corpos diáfanos. Talvez estejamos mais parecidos com o que somos (e não sabemos).
Não sei onde esse caminho vai dar. Mas é um novo itinerário, a passagem a um novo nível do jogo, e que, em cada momento vivido, mais distante se vê do "game over". E é isso que desejo dividir com vocês, essa experiência, tão surpreendente e rica, que me dá a certeza de dizer que sempre vale a pena pensar nas possibilidades de corrigir o rumo, antes de jogarmo-nos, nós ao mar, e a nau aos rochedos.
Aos que me lêem, uma sugestão, se lhes couber: tirem a tv do quarto e coloquem um jarro de flores no lugar; ou um espelho, ou ainda - melhor - implantem uma foto de ambos, sorrindo. Depois, dispam o pijama da vida, ponham-na para andar de braços dados com a fantasia. Durmam juntos, conversem, reclamem, cobrem e não desistam. Aprendi isso tudo, observando atentamente o casamento do meu pior inimigo, alguém que, afinal, era eu mesmo.
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sábado, setembro 04, 2004
Como vocês sabem, estou reeditando alguns posts antigos, até que me venha o tempo necessário para os assuntos novos. Mais dia, menos dia, um dia estarei de volta.
Para sempre.
Hoje eu escutei o último CD da Elis Regina. Elis não morreu, ao contrário do que muita gente pensa. Ela é para sempre. E foi ali, ouvindo, lembrando dos maneirismos vocais da diva de minha juventude, que fiquei pensando: o que é para sempre, na vida das pessoas? Na vida da Elis, é a voz. A voz da Elis é tão para sempre, que a Maria Rita, sua filha, canta igualzinho à mãe. Tudo é tão passageiro, tudo é tão rápido, tão injustamente rápido... O que poderia ser para sempre, se o para sempre acaba logo ali adiante? Estamos tão distraídos com nossa "missão" de acumular riquezas, que nem atentamos à inevitável provisoriedade das existências humanas. Cada existência dura pouco, muito pouco. Nos apegamos tão fervorosa e intensamente às nossas conquistas que, para nós, por algum tempo, elas são eternas. Elas nos são "para sempre". E foi aí que eu, pensando sempre, comecei a contar quantas coisas eu tenho para sempre. A memória, essa eu tenho pra sempre. Pelo menos, até que as artérias se tornem quebradiças e o sangue se atrapalhe todo pelo caminho e, antes de chegar ao cérebro, dê uma passadinha pelos "países baixos". Não poderia cometer erro maior, esse meu sangue. Enquanto eu tiver minha memória para sempre, terei as lembranças para sempre. As imagens são as lembranças dos olhos. Como não ser para sempre a imagem do meu filho, olhando para as mãos e tentando decidir com qual delas seguraria a bola? Descobrimos, todos juntos, que ele seria canhoto. Como não ser para sempre, o aroma do perfume da criatura amada? Qualquer ser que passe à frente do nosso nariz, centenas de anos depois, portando uma fragrância que passou por um corpo amado, trará esse corpo ao presente, para ser mais uma vez amado, como sempre. Outra coisa que eu tenho para sempre é saudade. Saudade de tudo que já aconteceu e que pude chamar de emoção. Algumas emoções são falsamente revividas. Digo falsamente, porque cada emoção gera uma sensação única e, como uma impressão digital, não pode ser fielmente repetida por outro que não o seu dono. E o dono da emoção sentida não sou eu, hoje, mas um outro "eu", que não vive em mim agora, e sim, noutro tempo que já se foi. A gente insiste, só pra se enganar porque, afinal, ninguém é de ferro e (talvez) nem para sempre. Não se sente a mesma emoção duas vezes. Será que é por isso que não se ama a mesma pessoa duas vezes? Ah, o amor. O amor também é uma das minhas coisas para sempre. Todas as pessoas as quais amei têm um pouco de mim. Eu as trago na lembrança e, por mais que elas não queiram, me levam com elas também, para sempre. Sei lá, mas acho que estou espalhado pelo mundo. Oh sim, claro... Tenho outra coisa para sempre: o desejo. Esse sim é um perigo. O meu desejo é para sempre, queira meu corpo ou não. Mesmo quando ele vergar à frente, apoiado num tronco de arbusto, brilhante de tão velho, continuarei te desejando, seja você quem for. Então, satisfazer o meu desejo será um problema seu e do meu corpo. A minha alma, que é quem realmente conta, não terá nada a ver com isso. Te desejará para sempre. Que eu me lembre, tem mais alguma coisa que em mim é pra sempre e, pelo visto, não será mesmo a memória... Ah, lembrei: a esperança... A esperança tem que ser mais que para sempre. Por que o "para sempre", sempre acaba rápido demais. Mas, a esperança, não.
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