Via Oral


Um blog sobre textos, aforismos, arte, literatura, arquitetura, humanismo e outras coisas para as quais ninguém dá a mínima. Escrito em encenado nas poucas horas vagas que a atividade de ADA (Arquiteto Doméstico Administrador) permite.
Um espaço perfeitamente adequado à muita conversa fiada, mentiras acreditáveis, ranhetices, rupturas, causos, crônicas e, sobretudo, área disponível aos amigos, uma turma cheia de gaiatices mas que eu adoro.
:: consulta marcada com Via Oral :: bloghome | mande sua receita ::
on-line http://
Dosagem recomendada
trembom
Prosa&verso
Dois lados
Blog kálido
In the sun
Uma pulg@ na net
Tudo sobre florestas
Studio medusa
Rindo de nervoso
Maré
Alexandre Cruz
Manoel Carlos
Patolinus
Palavras Tortas
Toshi( in memorian)
Mariazinha
Maria
Mariza
Cores de Gloria
100%chongas
Links
Rede SACI
Mais receitas
Outubro - 2004
Setembro - 2004
Agosto - 2004
Julho - 2004

sexta-feira, outubro 22, 2004

Como havia prometido ao meu amigo Patolinus, um conto de realismo fantástico. Na verdade, uma crítica aos pais que somos, por nos distanciarmos de nossa infância, da infância dos nossos filhos e, por isso mesmo, nos distanciarmos dos próprios filhos. Na nossa prepotência de "sabermos mais porque somos adultos", provocamos tristezas, frustrações, matamos fantasias. Estejamos, portanto, sempre alertas.


O presente


- Eu quero esse, pai!
O menino foi logo abraçando o boneco de pano, encolhido na prateleira da loja.
- Esse é horroroso. Põe isso lá, que está todo sujo e empoeirado. Vai atacar sua alergia - bradou o pai, olhando um cachorrão de pelúcia, que mais adestrado que o filho, aguardava na vitrine.
- Mas eu quero ele, pai... ele ta vivo!
- Não senhor, mocinho. Se quiser, leva esse aqui ou não leva nada; porque eu não vou ter paciência com manha de criança, não. Tá vivo... Que maluquice... - resmunga o pai.

O pirralho, triste, se perguntava sem entender, por que não poderia levar o bichinho: era menor, devia ser bem mais barato e era mais bonito. E, melhor que tudo, estava vivo! E se a irmã tinha aquele gato chorão, ele também poderia ter um bicho de verdade. Será que ele come? Se não comer, não suja a casa - pensou.
Chorou de tristeza e de verdade mesmo. E nem era pra convencer o pai. O bicho na prateleira, sujo, brinquedo mendigo, mantinha um sorriso tolo, diagonal, omisso. Tinha cara de um animal engraçado, meio desengonçado que o menino já vira em algum programa de tv. Não sabia o nome daquele animalzinho, mas sabia que o queria. Porque sabia que o animal também queria estar com ele, conversar e brincar com ele, isso sim, com certeza.
O pai, pagando a compra e a vendedora, cúmplice da criança, enfia na sacola o boneco de pano. Afinal, ninguém iria comprá-lo mesmo - conclui.

Caminho de volta, filho calado, de tristeza e raiva. Queria mesmo aquela coisita. Gente grande não entende nada, não sabe mesmo do que criança gosta. Como é que se pode gostar desse bichão feioso? E ele não tá vivo. Não tá morto também, porque nunca viveu e nem nunca vai viver - pensava.

A casa chegando, portão, escada, a sala, presentes e papéis coloridos no chão.
De susto e alegria, o grito do menino:
- Olha, pai! O bichinho veio também! Meu bichinho veio...! E num impulso, abraça o boneco, aperta-o contra o peito, com todo o amor do mundo.
O pai olha a cena, vocifera e num impulso maior, arranca o bicho das mãos do menino:
- Moleque safado, roubou essa porcaria da loja, não foi???!! Desde quando eu te ensinei a pegar alguma coisa sem permissão???

- Nããããoo, papai... Eu juro que não peguei nada...! Eu pensei que você que pôs ele lá, de surpresa...

O pai, transtornado, diante de todos, grita, bate, atira o boneco na parede com toda a força de sua raiva. Sai reclamando, bufando, batendo a porta do quarto. Iria devolver o boneco na manhã seguinte.
***

Banho tomado, o pai, de volta à sala, com jeito de limpo. Mãe e filha, mudas, estupefatas, olhares marejados, num quase-pavor.

O menino, com lágrimas nos olhos, com o bicho molengo na mão, boneco inerte que perdeu o sorriso.

Um filete vermelho escorrendo da boca de pano.

Num soluço, toda a dor do mundo eclodindo de um pequeno peito, que ainda não compreende direito tanto sofrimento:
- Pai, você matou ele...

ViaOral [+] :: Se medicaram:
...
sexta-feira, outubro 15, 2004

Morreu Sabino. Morreu sabendo. Sabia como poucos, que cada criança é como um novo amanhecer, é como um novo dia para a humanidade. Sabia que podemos aproveitar cada dia para brincar, agradecer, ou não ligar pra ele, vivê-lo mecanicamente até que a noite chegue; e no dia seguinte podemos nem lembrar se o dia anterior foi de sol ou de chuva. Crianças também são assim. Se as esquecemos, chega a noite e a colocamos pra dormir, sem que tenhamos a menor idéia se durante o dia elas sorriram ou choraram. E no dia seguinte, isso tudo já passou, foi mais uma oportunidade perdida. Foi-se o meu querido Fernando Sabino. Sabia quase tudo. Mas dessa história, ele não sabia que foi inspiração.

Uma coisa

Fernadinho chegou e foi logo pro quarto. Derramou a caixa de brinquedos no chão, procurou alguma coisa que não encontrou, foi nas gavetas, no armário e nada. Desceu, foi no móvel da sala e depois de alguma bagunça foi até a estante. Quando saiu, a arrumação era outra. O pai olhou por cima do jornal, por cima dos óculos, olhou pra mãe e, juntos, olharam em silêncio pro filho, que já tomara o rumo da garagem. Ao longe, ouvia-se o barulho de quem procura algo, com a paciência e desenvoltura de seus seis anos de idade. O barulho de vidro quebrado fez o pai largar o jornal e caminhar até onde, pouco antes, era um espaço arrumado.

- Quebrou...
- É, eu sei disso - disse o pai, sério, mas sem o rancor dos pais dos outros.
- Posso saber por quê o senhor entrou em casa como um pequeno furacão, e sem nem falar conosco já deixou trabalho para o resto da semana? - indagou.

O pequeno, olhando o pai quase que pelas pálpebras, de tão desconfiado, respondeu:

- É que estou procurando uma coisa...
- E que coisa é essa, tão importante?
- Ainda não sei.
- Como não sabe?! Então você bagunça tudo, sai quebrando a casa toda e não sabe nem o que está procurando? - espantou-se o paciente pai.
- É...
- Ah, é??? - o pai, meio sem argumento.
- Humrrum... - acenou Fernandinho.
- Muito bem mocinho: o senhor vai arrumar tudo, varrer esse vidro quebrado e tomar banho para almoçar. AGORA! - recompôs-se o pai, que deu de costas e voltou ao jornal.

- E aí? - perguntou a esposa, confiante em que o pai havia conseguido controlar aquela "fúria da natureza" que era o seu filho.
- Tudo resolvido - ele respondeu.
- Mas, afinal, o que é que ele está procurando tanto? "Ainda não sabemos", diz o pai com alguma ironia.
- Ora, como "não sabemos", ou melhor, "quem não sabemos"??? - espanta-se a mãe.
- Ele e eu, oras. Aliás, agora, você também! - responde o pai, num sorriso meio cínico e maroto. A mulher, disfarçando o "meio sem-jeito", inclinou a cabeça, como se isso a ajudasse a entender melhor aquela resposta estapafúrdia, raciocinando com os lábios. Não adiantou nada, e ela deixou pra lá, rotulando os dois, silenciosamente, de qualquer coisa parecida com "malucos".
O resto do dia passou e Fernandinho continuou procurando, agora com algum cuidado e um pouco menos estardalhaço, porque chamar a atenção dos pais havia se revelado como um grande risco. Já à noite, com todos jantando sob o som do jornal da televisão, e Fernandinho mais tranqüilo, o pai perguntou:
- Achou?- Ainda não - respondeu o guri.
- Mas vai achar, não se preocupe - incentivou o pai, com um sorriso leve, de quem está brincando. A mãe, sem saber se perguntava algo ou não, optou pelo silêncio, só pra não trair a enorme curiosidade de toda as mães; e também pra não se passar por tola, pois, com toda certeza era o que eles queriam que ela fizesse. No final, não diriam nada e ela ficaria ali, com cara de boba e os dois sorrindo disso, divertidos. Ficou quieta.
Estranhamente o jantar transcorreu sem nenhum tumulto. Fernandinho deixara quase a metade da comida no prato e parte da outra, não consumida, na mesa. Num salto, foi direto pro quarto do meio, espécie de escritório, depósito, biblioteca e uma muito pretensiosa sala de estudos, justo pra ele, Fernandinho. Abre aqui, mexe ali, derruba acolá, e nada aparecia que servisse ao menino. E enquanto o rebuliço corria solto no cômodo, os pais resolveram que iriam ajudar na busca do filho, com a mãe ainda desconfiada de que, diante dos dois, ainda iria passar por alguma situação ridícula.E em pouco tempo todos procuravam. Primeiro a mãe aparecera com uma velharia qualquer, inservível. Depois, o pai, exibindo uma taça de vice-campeão de qualquer coisa, ambas rejeitadas pelo garoto. Nada servia e ninguém sabia mesmo o que procurava. Até que Fernandinho esclareceu: a professora havia pedido que cada aluno trouxesse de casa alguma coisa diferente, que nenhum colega tivesse; algo exclusivo, pessoal, só pra mexer com a cabeça das crianças. Os pais do "furacãozinho" aliviaram. Agora sim, tudo fazia sentido e eles sabiam o que iriam procurar. E começaram a chafurdar os armários, no mesmo "estilo" de Fernandinho: não ficava pedra sobre pedra. Surgiu de tudo: das fotos do casamento até o primeiro sapatinho do filho; de cartas de amor a "lembranças" surrupiadas de um motel. Mas nada, nada servia. E foram procurando noite adentro.
Já não se agüentavam mais em pé, quando Fernandinho parou e ficou olhando para os pais, que insistiam em não achar nada. Olhou, observou e, depois de algum tempo, disse:

- Podem parar de procurar e vão dormir, porque eu já achei o que procurava...
- Achou??? Mas como?? Mostra... - disse a mãe.
- Amanhã eu falo - respondeu o pequeno. Vão dormir.

Acostumados com as maluquices do filho, os dois cambalearam rumo ao quarto, enquanto Fernandinho, acompanhando-os com o olhar, sorria o seu melhor sorriso. Aquele amor dos pais - sabia bem - só ele tinha.

ViaOral [+] :: Se medicaram:
...
sexta-feira, outubro 08, 2004

Aproveitando-me da sabedoria alheia.

Meus amigos,

Como não posso, aqui, estabelecer um compromisso diário de escriba, passo rápido pelo outro lado da calçada, só pra ninguém me ver. Mas, como a saudade é grande, muitas vezes maior que o tamanho do meu tempo, não resisto à tentação de uma mensaginha adolescente, feita por gente grande, para as grandes gentes que me lêem.

Recebi este texto por e-mail e é possível que muita gente já o conheça, como também, que muitos sequer o suponham. Como ando muito ocupado e sem tempo de postar - mas nunca esquecido de todos os que gastam seu precioso tempo por aqui, permitam-me ofertá-los com palavras de um outro coração, mas de uma enorme e doce sabedoria:

PROCESSO SELETIVO VOLKSWAGEN:

A REDAÇÃO ABAIXO FOI DESENVOLVIDA POR UM CANDIDATO NUM PROCESSO DE SELEÇÃO. ELE FOI APROVADO E SEU TEXTO ESTÁ FAZENDO SUCESSO E ELE COM CERTEZA SERÁ SEMPRE LEMBRADO PELA SUA CRIATIVIDADE, SUA POESIA E ACIMA DE TUDO PELA SUA ALMA. VALE A PENA LER.


JÁ FIZ COSQUINHA NA MINHA IRMÃ SÓ PRA ELA PARAR DE CHORAR, JÁ ME QUEIMEI BRINCANDO COM VELA. EU JÁ FIZ BOLA DE CHICLETE E MELEQUEI TODO O ROSTO, JÁ CONVERSEI COM O ESPELHO, E ATÉ JÁ BRINQUEI DE SER BRUXO. JÁ QUIS SER ASTRONAUTA, VIOLONISTA, MÁGICO, CAÇADOR E TRAPEZISTA. JÁ ME ESCONDI ATRÁS DA CORTINA E ESQUECI OS PÉS PRA FORA. JÁ PASSEI TROTE POR TELEFONE. JÁ TOMEI BANHO DE CHUVA E ACABEI ME VICIANDO. JÁ ROUBEI BEIJO. JÁ CONFUNDI SENTIMENTOS. PEGUEI ATALHO ERRADO E CONTINUO ANDANDO PELO DESCONHECIDO. JÁ RASPEI O FUNDO DA PANELA DE ARROZ CARRETEIRO, JÁ ME CORTEI FAZENDO A BARBA APRESSADO, JÁ CHOREI OUVINDO MÚSICA NO ÔNIBUS. JÁ TENTEI ESQUECER ALGUMAS PESSOAS, MAS DESCOBRI QUE ESSAS SÃO AS MAIS DIFÍCEIS DE SE ESQUECER. JÁ SUBI ESCONDIDO NO TELHADO PRA TENTAR PEGAR ESTRELAS, JÁ SUBI EM ARVORE PRA ROUBAR FRUTA, JÁ CAÍ DA ESCADA DE BUNDA. JÁ FIZ JURAS ETERNAS, JÁ ESCREVI NO MURO DA ESCOLA, JÁ CHOREI SENTADO NO CHÃO DO BANHEIRO, JÁ FUGI DE CASA PRA SEMPRE, E VOLTEI NO OUTRO INSTANTE. JÁ CORRI PRA NÃO DEIXAR ALGUÉM CHORANDO, JÁ FIQUEI SOZINHO NO MEIO DE MIL PESSOAS SENTINDO FALTA DE UMA SÓ. JÁ VI PÔR-DO-SOL COR-DE-ROSA E ALARANJADO, JÁ ME JOGUEI NA PISCINA SEM VONTADE DE VOLTAR, JÁ BEBI UÍSQUE ATÉ SENTIR DORMENTES OS MEUS LÁBIOS, JÁ OLHEI A CIDADE DE CIMA E MESMO ASSIM NÃO ENCONTREI MEU LUGAR. JÁ SENTI MEDO DO ESCURO, JÁ TREMI DE NERVOSO, JÁ QUASE MORRI DE AMOR, MAS RENASCI NOVAMENTE PRA VER O SORRISO DE ALGUÉM ESPECIAL. JÁ ACORDEI NO MEIO DA NOITE E FIQUEI COM MEDO DE LEVANTAR. JÁ APOSTEI EM CORRER DESCALÇO NA RUA, JÁ GRITEI DE FELICIDADE, JÁ ROUBEI ROSAS NUM ENORME JARDIM. JÁ ME APAIXONEI E ACHEI QUE ERA PARA SEMPRE, MAS SEMPRE ERA UM ''PARA SEMPRE'' PELA METADE. JÁ DEITEI NA GRAMA DE MADRUGADA E VI A LUA VIRAR SOL, JÁ CHOREI POR VER AMIGOS PARTINDO, MAS DESCOBRI QUE LOGO CHEGAM NOVOS, E A VIDA É MESMO UM IR E VIR SEM RAZÃO. FORAM TANTAS COISAS FEITAS, MOMENTOS FOTOGRAFADOS PELAS LENTES DA EMOÇÃO, GUARDADOS NUM BAÚ, CHAMADO CORAÇÃO.

E AGORA UM FORMULÁRIO ME INTERROGA, ME ENCOSTA NA PAREDE E GRITA: ''- QUAL SUA EXPERIÊNCIA?''. ESSA PERGUNTA ECOA NO MEU CÉREBRO: ''EXPERIÊNCIA...EXPERIÊNCIA...'' SERÁ QUE SER ''PLANTADOR DE SORRISOS'' É UMA BOA EXPERIÊNCIA? NÃO!!! TALVEZ ELES NÃO
SAIBAM AINDA COLHER SONHOS!''
AGORA GOSTARIA DE INDAGAR UMA PEQUENA COISA PARA QUEM FORMULOU ESTA PERGUNTA:
- EXPERIÊNCIA? QUEM A TEM, SE A TODO MOMENTO TUDO SE RENOVA?



ViaOral [+] :: Se medicaram:
...

This page is powered by Blogger. Isn't yours?