Via Oral


Um blog sobre textos, aforismos, arte, literatura, arquitetura, humanismo e outras coisas para as quais ninguém dá a mínima. Escrito em encenado nas poucas horas vagas que a atividade de ADA (Arquiteto Doméstico Administrador) permite.
Um espaço perfeitamente adequado à muita conversa fiada, mentiras acreditáveis, ranhetices, rupturas, causos, crônicas e, sobretudo, área disponível aos amigos, uma turma cheia de gaiatices mas que eu adoro.
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domingo, maio 20, 2007

Cardápio internacional

Foi num dia que meus sobrinnhos vieram passar o dia com os meu filhos, aqui em casa. Minha irmã mora em Itaipú, e eu, em Icaraí. A distância e a preguiça justificam o pernoite dos pimpolhos. E aí tem muita bagunça, barulho, jogos, brigas, ciúmes e tudo o mais que envolve o gastar de toda a energia acumulada durante semanas, em apenas 24 horas. Como nós, aqui, minha irmã tem, lá, um casal de filhotes. As idades são trocadas, ou seja, o meu mais velho é da idade da minha sobrinha; minha Florinha, a mais nova, "equivale" ao Gabriel, o caçula de lá. Pois não é que o Gabriel, engraçadíssimo, sofre de colesterol alto? E isso é um problema na hora da alimentação. A comida dele é escolhida a dedo, e muito, mas muito mesmo, diferenciada. E chegou a hora do jantar, e eu que ofereceria o fausto. Florinha come isso, Thadeu come aquilo (ovo - nunca vi gostar tanto...), Mariana, a prima, vai de qualquer coisa e ele, o Gabriel, o tal, começa:

- Tio, o que é que tem pra comer??
- Sei lá... O que é que você pode comer ? - pergunto, pra ganhar tempo.
- Hummm.... Eu acho que carne de Alce...
- !!!
- Ou de avestruz, que não tem gordura animal...
- !!!

Fiquei pensando na minha geladeira, repleta de carne de caça, abarrotada de pernis e paletas de alce, fresquinhas, trazidas diretamente do Canadá... Ou aquelas coxas e filés de peito de avestruz, que tomavam por completo o meu freezer (desligado, desde a crise de energia). Puxa, pensava eu, ainda bem que tenho essas coisas comuns em casa...

- Ah, tio, pode ser também carne de rã...

Pronto; agora lá iríamos nós, pela casa, capturar uma rã touro, parruda, dentre todos aqueles batráquios que inundavam os cômodos do apartanmento, num coachar insurdecedor. Ainda bem que ele come essas comidinhas simples - pensava eu.

Acabou comendo um miojinho com salsicha e achou uma delícia.

Thimóteo - Gourmet infantil.

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quinta-feira, abril 12, 2007

Avoa, passarim, avoa...

Tem vez que em me espanta a capacidade de síntese de certas pessoas. O bom Manoel, agrestino arretado sabe disso, e isso prova. Pra quem acha que o post anterior não faz sentido, taí a resposta, que faço questão de colocar em destaque. Cada frase dessas renderia um livro de análise. Mas não precisa. Comparem as respostas e avaliem. A questão toda é de deixar a gente de cabelo em pé.


1. Embora sob o controle do capital financeiro, o atual modelo estadunidense se sustenta na indústria bélica e na indústria petrolífera. 2. Por conta disto, os EUA precisam da guerra e não assinaram o Protocolo nem o Tratado de Kioto. 3. Muitas tecnologias e equipamentos resultam das pesquisas bélicas. 4. Nos EUA, há dois sistemas de controle aéreo: um da aviação civil e outro de defesa. 5. O 11 de Setembro demonstrou a inoperância desta divisão, seria impossível impedir que o primeiro avião se chocasse com a torre, mas o segundo avião só se chocou por não ser monitorado por um sistema de defesa do espaço aéreo. 6. O Brasil "desmilitarizará" o sistema de controle do espaço aéreo? 7. O que seria razoável é o controle unificado, com informações chegarem aos diversos setores, como nas torres de aeroportos, a partir do centro de controle, sob responsabilidade da Aeronáutica. 8. "Desmilitarizar" é um eufemismo para desmontar. 9. Para manter dois sistemas, injetaremos bilhões nas fábricas de equipamento dos EUA.

É isso. Pena ser um tema que, apesar de tão sério, anda tão batido que ja-já será atropelado por outros assuntos, como o milésimo gol do Romário, as olim-piadas do Rio ou mais algumas asneiras do "companheiro mor"...

Thimóteo (gasto o dente mas não largo o osso) Rosas.


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quarta-feira, abril 04, 2007

Céu de Gereba


Bom, eu não sou especialista em política externa. Nem na interna. Pensando bem, eu não sou especialista em política nenhuma, isso sim... Mas estou com uma pulgona trás d'orelha. Esses pessoais que estão de greve no Sindacta, fazendo todo esse qüiproquó (adoro essa palavra), o fazem por mais algumas razões além dos aviões de carreira. Isto posto, conversávamos, grande amigo e eu, sobre tal. Dizia ele:

-Thimóteo, meu filho, imagine que esse pessoal quer ser civil. Ora, a Aeronáutica não vai gostar nem um pouco de ceder o controle de tráfego de seus caças para uma equipe civil. Seria viável a co-existência de dois controles autônomos, um da aviação civil e outro da militar? Os civis estariam lotados onde? Numa nova estatal? Ou seria criada uma empresa privada para gerenciar esse imbróglio? Seria uma delegação sem concorrência, o serviço seria contratado a partir de um certame internacional? Quem teria condições técnicas de equipamento e pessoal para entrar nessa?

Desce o pano.

Longe dali, em Sampa, o Grande Irmão chama o Lula nas conversas (por que o dogão não foi ao Planalto???). O sapo barbudo vai lá rapidinho. Ao fim da conversa, Bush põe na bagagem de volta a tecnologia automotiva do álcool hidratado, a garantia de venda de combustível (posto EUA), a garantia do aumento da área de plantio de cana e, quem sabe?, a possibilidade de transferência de tecnologia, treinamento e equipamento para a criação de um grupo independente para o controle aéreo nacional que, afinal, está mesmo uma zona. Se assim for, no futuro só decola um Tucano por aqui se o americano deixar. Inclusive os aviões militares. Pra o nosso pessoal, sobrará o controle de vôo dos Jerebas, magníficos pássaros da espécie dos urubus. Puxa, quanta besteira a gente pensa e escreve, né?

Thimóteo, cada vez mais desconfiado.

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Democracia

Que a democracia é o pior regime do mundo, nisso não há qualquer novidade. E não me venham com esse velho papo furado de que, nela, o povo tem equilíbrio de direitos, igualdade de oportunidades, tititís, tatatás, pererés, e etc. Um regime que elege um governo como esse que está aí, não tem a mínima chance de se dar ao respeito. Mas, já que tá...

Ranhetices e asperezas à parte, eu até simpatizo com as democracias. Digo "as", porque cada uma delas, dependendo do grupo que as institui, tem uma particularidade. A democracia norte-americana oscila entre a direita Republicana e a simpatia sempre suspeita do Partido Democrata. Lá, a coisa funciona razoavelmente porque eles ainda pensam que são os donos do mundo. Acham que essa ilusão se deve à sua idéia de democracia. Já o Lula, acha que democracia é tudo aquilo que não contrarie os interesses do PT. São apenas pequenas diferenças de opinião, que não criam nenhum incômodo ou inconveniente nas conversas dele com Bush. Aliás, ouvi dizer que a próxima reunião de ambos será num haras de um milionário americano. Bom. Ficarão todos mais à vontade, entre seus iguais.

Com sua origem na Grécia clássica, cidades-estado como a velha e bela Atenas implantaram um sistema de governo no qual todos os cidadãos livres podiam eleger seus governantes e também serem eleitos para as mesmas funções. Desse exercício estavam excluídos os escravos, as mulheres e os estrangeiros. Na verdade, a democracia vingou mesmo porque os cidadãos formavam um grupo numericamente reduzido e privilegiado. Tal e qual se vê hoje.

O mais interessante é que aqueles que a defendem com veemência, pertencem a duas classes diametralmente dispostas: a dos enganadores, no poder, e a dos enganados, na platéia. Os enganadores adoram-na porque ela os legitima. A platéia aplaude, orgulhosa por fazer parte de um regime estável, invejado por meio mundo e, claro, por acreditar que elegeu seus governantes. É algo parecido com aquele motorista boa pinta e que finge ser o dono do carro, enquanto o dono passa a tarde na cama da amante.

A grande diferença entre a democracia idealizada, grega de nascimento, e as versões mais modernas desse exercício sado-masô, é - pasmem! - nenhuma. Mas, como? - dirá você, caro eleitor. Simples: a democracia é o regime da MINORIA INFLUENTE, que conduz a MAIORIA ATUANTE, em situações específicas e relevantes. Não era assim na Grécia?

Uma eleição para presidente, por exemplo, é uma situação específica e relevante. É de imenso interesse de uma minoria influente (políticos de carreira, industriais, "dudasmendonças", governos estrangeiros, veículos de comunicação de massa, militares, etc., etc., etc,) que conduz uma maioria atuante (porta-vozes, sindicatos de classe, lideranças populares, a classe média, eu, você, a sua mãe, o seu pai, o seu vizinho, etc., etc., etc.), que elege alguém que essa minoria acha que "é o cara". Assim elegemos o velho e bom Tancredinho vaselina (que deu a sorte de morrer de véspera), como elegemos o Collor, o FHC (esse, num processo um pouco mais elaborado) e, por fim, o Lula.

Então, tá. Democracia é isso: um regime que não é exatamente do povo. É um regime com ações no mercado mundial, preferenciais (e bota preferenciais nisso...). É o regime da injustiça mais abjeta, cínica e inescrupulosa; é o regime da dissimulação, do conchavo, das mentiras vestidas de verdades incontestes, mentiras oficiais e cuja conveniência as tornam leis. É, afinal, o regime da manipulação, da torpeza e da malícia maldosa. Ela não tem sequer a graça das ditaduras ridículas, que nos fazem rir dos discursos bufos de seus "amins dadás". Na democracia, os engraçados somos nós. Eles riem, porque quem é governo ri à toa, igual aos ricos; nós somos apenas os palhaços de plantão.

Mas não desanime, meu caro amigo. Podemos subverter essa ordem, e acabar com esse regimezinho safado. Não é fácil, mas a gente pode votar e eleger nossos líderes. Primeiro, conheça-o, da sua história à sua obra; depois, vigie sua atuação e avalie se seu investimento valeu a pena. Dê-se ao respeito e não troque seu escrúpulo por uma cesta-básica ou por uma colocação na repartição perto da sua casa. De alguma forma, procure saber o que fazem seus eleitos; não esqueça os seus nomes, fique sempre de olho neles. Eles precisam se sentir vigiados. Eles só querem uma coisa de você (ao contrário do que v. espera deles): seu voto. Nós somos como um grande condomínio, e eles, os síndicos; se a taxa de manutenção está alta (e está), vamos saber porquê. Quando tudo isso for feito, teremos criado um novo regime, que do anterior terá apenas o nome. Esse nome deverá ser conservado, para jamais nos esquecermos de como ele pode ser perigoso, quando desprezado pelo seu criador, essa entidade mágica, chamada singelamente de POVO.

Bem, como isso aqui não é um ensaio sério, não vou tomar mais o tempo de quem me lê. Mas fica a provocação:

Em dimensões físicas, somos um dos maiores países do mundo;
Temos um dos maiores leques de recursos naturais do mundo;
Temos uma das maiores reservas de água doce do mundo;
Temos uma das maiores áreas cultiváveis do mundo;
Temos a maior carga tributária do mundo;
E alguns dos maiores bancos privados do mundo;
Os políticos mais bem pagos do mundo;

E, é claro, nós somos o povo mais otário do mundo.


Thimóteo, esse implicante.

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domingo, abril 01, 2007

Esse governo é uma comédia...


Recebi esse emêio aí, divulgado pelo ilustre José Simão, um sujeito que eu não tenho a menor idéia de quem seja. Mas, se é pra sacanear o governo, tô dentro.

Depois do P.A.C. (PÃO, ÁGUA, CIRCO), Lula vai criar mais 4 programas de (des)governo:

1 - Base de Operações Legislativas Avançadas - B.O.L.A.
2 - Programa Intensivo de Auxílio Didático ao Analfabeto - P.I.A.D.A.
3 - Projeto de Revisão Organizacional dos Poderes Institucionais Nacionais e Autarquias - P.R.O.P.I.N.A.
4 - Mensuração da Eficiência Real das Decisões Administrativas - M.E.R.D.A.

Legal, mas faltou o 5º, que bem poderia ser assim:

5 - Conselho Humanitário Emergencial para o Gerenciamento Administrativo - C.H.E.G.A !!!

Thimóteo, esse intolerante...

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quarta-feira, março 28, 2007

Inovar para progredir

Os novos parceiros políticos do governo receberam instruções claras de como melhor se posicionar na condução dos seus cargos. Para não haver dúvidas, cada um dos novos ministros recebeu do vosso Presidente, um exemplar ricamente encadernado do Kama Sutra.

Thimóteo (interinamente, cobrindo a suruba).

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terça-feira, março 27, 2007

Sei lá...

Faz tempão que não escrevo. Desanimei, fiquei sem tempo e mudei um pouco o foco. A gente faz melhor aquilo em que acredita. Para mim, escrever sempre foi uma maneira de melhor raciocinar. Ao menos, assim sempre acreditei. Mas, as coisas andam tão confusas, tão estranhas que nem o meu melhor raciocínio me auxilia. As pessoas andam morrendo como moscas; os governos atingiram níveis jamais vistos de cinismo, enquanto minha renda atinge altos índices negativos... Autoridade é um estado fictício, uma condição teórica de qualquer servidor público, seja lá de que esfera for; e, para completar, o nosso presidente - com licença da má palavra - e o seu PT, descobriram que o país tem um ponto G. Agora sim, a fornicação com a coisa pública atingirá o orgasmo tântrico, aquele que parece mito mas não é: serão mais quatro anos sem tirar de dentro... Haja camisinha.

Thimóteo (sim, ainda com alguma esperança. Se deixarem, eu volto).

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terça-feira, junho 27, 2006

Há alguns dias atrás, rolou pela rede uma suposta entrevista feita com o bandidão paulistano Marcola, apontado como o líder do PCC, facção criminosa que supostamente domina o "mercado" Rio/São Paulo. Depois de divulgada, a tal entrevista foi negada e rotulada como falsa pelas autoridades oficiais, que nela teriam visto uma apologia ao crime. Na Internet, a tal entrevista vem sendo atribuída ao jornal O Globo, mas não é nada disso: teria sido obtida pelo jornalista Roberto Cabrini (aquele que já foi da TV Globo, e que hoje faz o sensacionalista Brasil Urgente, na TV Bandeirantes), mas tem muita gente achando que a história toda foi montada. Bom, se a coisa é verdadeira ou não, isso não tem a menor relevância, já que o que importa mesmo são as questões que foram colocadas e a visão que o entrevistado tem da coisa toda, independentemente de quem seja o fulano. A seguir, a íntegra do papo, que não perece ter a cara do Marcola, se comparado com o que se conhece de sua verborragia pseudo-politizada. Tem mais jeitão de recado de intelectual do que de meliante versado em letras. Mas as questões são rechonchudas, verdadeiras e urgentes. A realidade é esta, sem retoques mesmo, sem o romantismo dos velhos furos de reportagem, sem o sensacionalismo da TV. Há anos eu discuto isso, convidando as pessoas a olharem, por exemplo, o Rio de Janeiro com outros olhos - não do Cristo ou do Pão de açúcar, mas lá da Igreja da Penha. Verão, até onde a vista alcança, uma grande favela horizontal, resultado do abandono mais sutil das autoridades (mas nunca menos grave), que é o descaso com a questão urbanas nas grandes cidades. Mas, vamos à leitura da dita fantasiosa entrevista. As conclusões ficam por conta de cada um.


Policiais trocam "caveirão" por lotada.

Os pessoais do morro meteram, ontem, uma granada no blindado da PM, que teve que fazer um frete pra voltar pra casa...

Foi lá no morro do Alemão, numa imagem toda bacana do jornal O Dia.

A Entrevista:

"Você é do PCC?"

- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível... vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só apreciamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas...
Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...

- Mas... a solução seria...

- Solução? Não há mais solução, cara... A própria idéia de "solução" já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio?
Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como?
Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha queos 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios...) E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.

- Você não têm medo de morrer?

- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá fora... Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba...
Estamos no centro do Insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.
Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala...
Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja herói"?
Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né?Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

- O que mudou nas periferias?

- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado?
Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas"... ha, ha... Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de trêsoitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

- Mas o que devemos fazer?

- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O país estáquebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra". Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo... Já pensou? Ipanema radioativa?---

Mas... não haveria solução?

- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa... na moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos deles e vocês...não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela Olha aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: "Lasciate ogna speranza voi che entrate!" Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.


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terça-feira, junho 13, 2006

Festa ardente
Por Thimóteo Rosas*


"Pai, qual a festa que você mais gosta?" - perguntou-me o filhote. Pensei daqui e dali, antes de responder que não sabia. Aliás, antes de perceber que não tinha a menor idéia. Que coisas são essas, que só as crianças falam? Será que perdemos a capacidade de pensar em coisas geniais, quando crescemos? Tornamo-nos enfadonhamente lineares, eu acho. Hoje eu li lá no blog da Tchela, um mágico diálogo dela com o Furacão (da já famosa dupla Furacão e Foguetinho):

Filhote ouvindo mamãe comentar que não gosta de cortar os cabelos no frio:
- Mamãe, não é que o cabelo esquenta a cabeça?
- É sim, filhinho, e também protege a cabeça.
- Como?
- Se uma pessoa careca toma muito sol na cabeça, pode ficar com o couro cabeludo queimado.
- Mamãe, mas quem é careca não tem couro cabeludo! Só tem couro!

E pensar que o futuro pertence a eles... Sei lá.
Mas, voltando à história da festa, fiquei pensando em qual tipo de festa eu me sinto melhor, assim, que nem "pinto no lixo" mesmo. Dizia o Emílio, um amigo equatoriano, que uma festa boa tem que ser "una fiesta ardiente". Será?
Bem, de Carnaval todo mundo gosta. Eu não. Sentar o rabinho na frente da TV pra ver bundas e peitos não é o melhor programa da minha vida. Gosto do Carnaval porque posso bundear pela cidade mais calma. Só por isso.
Natal em família. Expressão redundante. Natal, só em família mesmo, pois de outra forma não existe. Ah, o Natal, como era bom, na infância... Não é mais a mesma coisa, mas ainda rola um clima. Presentinhos daqui e dali, reencontros com as mesmas pessoas do ano passado, um ano depois. Normalmente a gente ganha coisas das quais não gosta e desconta nos outros, sem nem perceber.
Festa de aniversário: Tanto dos outros quanto do nosso, essa festa é sempre a mesma coisa: o sujeito se mata pra receber os amigos da melhor forma possível, aluga salão, faz supermercado de última hora, corre pra gelar as bebidas, fritar salgadinhos, alugar as mesas, contratar garçons, o carinha da música, o animador e o escambau e, como resultado, não se diverte porque fica a dar atenção aos convidados. Mas, o melhor disso tudo, é que sempre tem alguém que sai falando mal da festa.
"V. viu só que salgadinho horrível? Nossa, como é que se tem coragem de servir uma coisa daquelas? Quase nem tinha camarão..."
"E a cerveja? Só tinha aquela marca, como é mesmo? Boemia? Logo eu, que só tomo Antártica..."
"A decoração da mesa tava tão feiazinha, né? muito sem graça..."
"Mas olha... aquela roupinha da menina, tadinha, tava um horror... Me poupe..."
É. Festa de aniversário é isso. Ou não é???
Churrasco: Ai, meu Deus... Um perigo. Isso me lembra uma vez em que minha mulher foi a um churrasco de confraternização de fim-de-ano. Marcaram num clube, ao meio dia em ponto. Elegeram um churrasqueiro, um professor, do tipo "gente-fina-toda-a-vida", sem que, no entanto, averiguassem seus antecedentes na nobre arte de colocar uns pedaços de carne sobre um leito de carvão aceso. A cena: sem faca para o talho das carnes, sem talheres, sem acompanhamentos e - o pior! - sem a carne! Lá pelas duas da tarde, compraram alguma coisa; e enquanto uma parte não identificada de um pobre bovino ardia em chamas na churrasqueira, os convivas se matavam por um pedaço de pão-de-alho queimado, molhado em cerveja quente. Churrasco não poderia ser minha festinha preferida mesmo.
Festa de despedida: Essa, nem pensar.
Ano-novo, o Reveillon original, hoje tão sem o mesmo propósito de antes. É a festa das ilusões, onde todo mundo acredita, baseados em sabe-se lá o quê, que o mundo será melhor, já a partir do dia seguinte - se não for segunda-feira, claro. Aí, a criatividade impera: as roupas para a festa podem ser de qualquer cor, desde que sejam brancas, em todas as variações de suas matizes... Todos têm que assistir à queima de fogos em Copacabana, e a meia-noite clássica, é hoje uma questão de preferência pessoal, considerando-se o "Horário Brasileiro de Verão", essa coisa estranha que fazem com o tempo, da qual todo mundo diz que gosta.
Festa Junina: Taí uma festinha que tem de tudo pra ser boa. Mesmo quando é ruim, diverte! Tem pescaria, bolo de mandioca, de milho, tapioca, milho verde, fogueira, correio do amor, salsichão, pipoca, quentão, prenda, quadrilha, ufa...! Tem tanta coisa que só não agrada a quem não comparece. É uma festa que me interessa.
Suruba. Oba! Essa sim, é a boa. É a mais praticada em Brasília, renovada e legitimada a cada 4 anos. É a festa preferida dos políticos e da qual nós todos participamos à distância (você também, viu? legal né?), na mais legítima expressão democrática. Ou v. vai me dizer que nunca se sentiu assim, digamos, com aquela sensação de ter tido sua retaguarda retofuricular violentada por alguma GRANDE medida provisória vinda lá do Planalto? Nessa festinha, eu tô dentro sempre - contra a minha vontade, claro - já que sou parte dessa nossa democracia, desse festival de falos ávidos, na qual somos (ou temos) a parte da qual eles mais gostam...
Para "nosotros" - diria eu ao velho Emílio - es una fiesta mui ardiente... Uuuuiiii!!!
Tá vendo, filho? Quem mandou perguntar???

*Thimóteo Rosas, preocupado com a próxima gestão do precedente Lula, já começou seu precioso estoque de Hipoglós, para a grande surubada dos próximos 4 anos.

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quinta-feira, junho 01, 2006

Pessoais, aí vai um texto que remete a outro, transcrito logo a seguir. Eles falam por si, de uma personagem curiosa e rara. Confiram.

De volta ao Bar do Jóia

Foi assim, meio sem querer, quase por um acidente que entrei no bar do Jóia, outro dia ao meio-dia, como se almoçar fosse. Queria saber dele, do velho Jóia, satisfazer a angústia natural de uma saudade relaxada, daquelas que só nos incomodam quando nos lembramos delas.

O bar estaria vazio, não fossem dois convivas aboletados numa das mesas próximas à entrada, cuja conversa se inundava em cerveja. O velho Jóia sentado, sem camisa, experimentava uma ?Antarctica? gelada, deixando à mostra o peito enrugado, como se ali a vida houvesse gravado um mapa, a denúncia explícita de onde tanto andara aquela alma. Havia um certo ar de ocaso, em tudo. Talvez seja assim que a decadência se revela, quando se tenta disfarçá-la.

Aos 90 anos, o bom Jóia me emociona. Seja pelo sofisticado gosto pela música clássica, que preenche aquele botequim (alguém aí, conhece algum botequim onde só se ouve música erudita?), seja pelo descaso com os cerimoniais que vida dos outros exige. Ou seja ainda pela sua impossibilidade de andar, de ficar em pé, sequer, por conta de uma artrose perversa. Contudo, ainda assim o Jóia leva a vida como se dela tivesse enorme crédito, quando nós a vivenciamos sempre em débito. Enquanto nossos sorrisos começam na boca, os dele nascem na alma. A gente ri para a vida; ele, gargalha dela. Uma preciosidade de homem, esse Jóia.

Mas, o bar vai mal. Noventa e sete anos de existência, sete a mais que o dono, sucumbe não apenas à modernidade, mas, também - e principalmente, ao tempo. Ele nos ensina que o tempo, esse sim, é o grande senhor de todas as verdades. E que talvez a verdade da hora seja a de que, em breve, aquele local só existirá em nossas lembranças. O Jóia fez sua parte: levou o velho Rio Paiva por mais de sete décadas, desde que herdou o lugar do pai. Eternizá-lo, se for o caso, é a tarefa dos que ficam.

De qualquer forma, ainda resta a esperança de que todos nós nos encontremos numa possível comemoração pelos 100 anos do Bar e Restaurante Rio Paiva. Mas, cá entre nós: centenário à parte, o Rio Paiva ainda é um senhor boteco...


O texto anterior, de agosto/2004:


O bar do Jóia
Por Thimóteo Rosas*

Se algum louco me pedisse pra bancar o repórter, e, se eu tivesse que fazer uma reportagem sobre o "Café e Bar Rio Paiva", acho que seria mais ou menos assim:

Paro na porta e espio o cardápio do dia, na tabuleta negra, cortesia de uma fábrica de bebidas:

"Carne de panela com tutu - R$ 7,00".
"Dobradinha à moda - R$ 7,00";
"Filé de peixe com arroz e purê - R$ 7,00";
"Paio na manteiga - R$ 7,00"(...).

Entre algumas possibilidades de pedido, decido entrar e resolver-me, já devidamente acomodado numa das enormes mesas do lugar. Um claro sinal de que alí, a preocupação em encher a casa sacrificando o conforto do freguês simplesmente não existe. Olho de novo a tabuleta e pasmo com o menu do dia seguinte: "Amanhã: Coisas". Simplesmente o máximo. Descubro que a comida, por conta de um negra simpaticíssima, é simples e saborosa, típica de um bom botequim, coisa rara, no Rio de hoje. Será que a negra bonita é a esposa do Jóia? A música não rola, é conduzida: Mozart, Bach, Beethoven, Thelleman, ou os nacionais Villa Lobos, Radamés, Lourenzo Fernandez ou Mignone, são íntimos da casa. Aliás, do sobrado, de arquitetura da virada do século dezenove. Ali as coisas são tão antigas e originais, que até o velho balcão em mármore, apesar de reformado, é absolutamente original. Não há nada velho, apenas antigo. Antigo no tempo, do tempo em que era moderno ser antigo; do tempo do retrato de família na parede, com expressões da juventude antiga. Um cartaz de Coca-Cola "família" (do tempo que ainda havia ambas), estranhamente, convive bem com outros tantos, de filmes nacionais e chamadas diversas; delatam a passagem de gentes das artes por ali. Outras artes também andaram fazendo moçoilas exibidas cujas fotos, digamos, descontraídas, migraram - misteriosa e diretamente - de revistas masculinas para o mural do Jóia. Um outro aviso informa que, em algum tempo, a casa receberá nova pintura. Desde que conheço a casa que o aviso está lá, necessitando ser repintado. "78 anos de vida, 65 de Bar Rio Paiva" - lembra o velho "Jóia" sem muito esforço. Curioso, fico perguntando coisas (distraído, que é pra disfarçar). Talvez fingindo ser enganado, ele vai falando, animado. A expressão de alguma reverência pela minha presença só existe porque sou um ilustre desconhecido. Entre os que chegam, logo aparece um amigo e ele então se solta, travesso. Depressa, divide uma cerveja gelada com o freguês, agora convidado. E se o felizardo for botafoguense, sei não. É bem capaz de ter redução na despesa. De graça, não, "que eu não tenho filho dessa idade", resmunga. Teimoso, pergunto se Jóia é sobrenome ou apelido. - É de nascença - diz. - Aliás, é de antes de nascer, quando minha madrinha jurada, dizia, acariciando o ventre de minha mãe: "Comadre, cuide bem dessa jóia que você traz aí; esse menino ainda vai te dar muito orgulho..." Bem, eu não sei qual o orgulho que o Jóia deu pra mãe, mas dá pra notar que, por aqui, todo mundo morre de orgulho de ser amigo dele.Aqui e ali, uma ou outra tabuleta, onde se lê: Bar do Jóia, Boteco do Jóia, Jóia's Bar... Parece até que o velho "Rio Paiva" adota um nome para o gosto de cada freguês. Talvez por isso o lugar exiba um singelo diploma concedido por uma suspeitíssima "Confederação Gastronômica Internacional", pelo título de "O melhor boteco do Mundo". Mas eu ainda acho que estão tentando enganar o velho Jóia: O Bar Rio Paiva é, sem dúvida, o melhor botequim de todo o universo...

Café e Bar Rio Paiva - Rua da Conceição esquina com Júlia Lopes de Almeida (por trás do Colégio Pedro II da Av. Mal. Floriano, centro do Rio).

*Thimóteo Rosas foi chefe de manutenção da Biblioteca Pública do Rio, antes de se aposentar com o vigoroso salário de R$ 420,00 e jamais seria dublê de repórter, porque ele não é besta. Conta-se que, certo dia, apareceu no Rio Paiva uma jornalista de um grande jornal, e que queria fazer uma reportagem sobre o inusitado bar. A moça e seu fotógrafo, foram gentilmente descartados do local , com o Jóia caladão, sem responder a uma só pergunta da pobre coitada. Um segredo: se o Thimóteo quiser, pode tirar uma ou outra foto, que o Jóia deixa. Mas, só isso.

ViaOral [+] :: Se medicaram:
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